Sentei em frente a padaria as 6h daquela manhã escura. A idéia era tomar um chocolate quente e um pão na chapa bem quentinho. Deveria estar as 6h30 já no batente dentro da fábrica de velas. A fome era tanta que mal pensava em parafinas, apenas olhava as pontas dos meus dedos queimados e calejados. Portão aberto e eu já no balcão. Em dois minutos já estava satisfeito e corria pela avenida segurando meu mp3. Poxa, foi presente da minha tia que trampava perto da Santa (ifigênia), e não podia deixar cair. Afinal, era meu companheiro no busão.
Entrei na praça da república e uma dona que vendia sonhos, aqueles pães doces recheados, me abordou de forma tão gentil que não resisti e comprei dois. Era para mais tarde, o café antes do almoço.
Chegando no trampo, atrasado como de costume, todos me olhavam com ar repreensivo. Oras, eu era o único que morava hiper longe.. mas nem ligava muito. Pensava só nos meus sonhos... e deixei-os sobre a geladeira da cozinha para comer mais tarde.
.... pausa
Já horas de dedos queimados, o Felisberto e o Agenor sairam para o cafézinho... mas a demora me deixou preocupado. Voltaram calados.
.... pausa
Dona Eulália saiu da cozinha toda satisfeita... aquilo também me deixou preocupado.
.... pausa
Os filhos pirralhos do dono... advinha... também entram na cozinha e sairam todos alegres... aaffeee.. isso realmente me deixou preocupado.
.... sem pausa.
Fui direto ver se os MEUS sonhos ainda existiam.... e para minha surpresa, sumiram !!!
Agora o que fazer? Não podia abordar meus companheiros de trampo porque um é diabético e o outro nem gosta de doces, a Dona Eulália é a DONA do trampo.... e os filhos dela... são os filhos dela oras... o que fazer? Bebi uma água gelada como se fosse uma água ardente... descia fervendo de preocupação. Como era o mais novo no lugar, talvez aquilo fosse mania deles, um trote ou até mesmo engano. Afinal, aquilo era meu, e já estava com fome. Tudo bem que custaram 3 reais, mas era meu dinheiro.
.... pausa
Na hora do almoço, quando todos estavam juntos, decidi que iria intimar geral para quem tinha comido meus sonhos... Mas antes iria tomar mais um copo com água.
.... pausa
Esse texto faz parte do Livro: Contos Urbanos.
Autor: Henrique Braz B Rossi