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Henrique Braz Rossi
São Bernardo do Campo - SP - Brasil

E-mail: henrique@octaki.com.br

Sinuca Chilena

22-12-2009 12:46

Chegamos mais cedo no colégio eu e meu camarada Sálvio. Tudo calmo e sem ninguém para papear. Dia quente, ar parado e o bafo subia do asfalto. Cenário perfeito para uma boa breja e um jogo de sinuca. Lá fomos para o boteco próximo ao colégio nos divertir, até o horário da aula começar.

Mesa padrão, bolas vermelhas e azuis, taco torto e mesa de várzea. Giz ali era sonho antigo. Pelo menos a mesa estava disponível. Pedimos uma gelada, duas coxinhas e uma ficha, afinal nosso tempo era escasso.

O cansaço do dia era nítido. As bolas não queriam entrar nos buracos ou era um complô delas pelos maus tratos. Salvo a branca que queria descansar desviando de suas colegas. Mas estávamos nos divertindo.

Eis que chega um colega e fanfarrão chileno, o Pepe, que de legal não tinha nada, a não ser a cara de personagem do seriado Chaves. Falastrão, já entrou no boteco querendo participar do jogo, mas propondo uma aposta simples. Quem perde paga a conta. Dupla contra dupla.

Meu camarada mal sabia jogar, mas aquilo podia ser divertido. Pepe chamou um ser totalmente desconhecido para formar par com ele. Pelo estilo  botequeiro, pensamos que era um Rui Chapéu da vida, aqueles que a vida se resume a copo americano de velho barreiro sem gelo, giz na orelha e taco na mão.

O jogo de três fichas, sem tempo, mata mata – com direito a bola da vida no final. Que vida ? Que grana? Tava mais preocupado com meu bolso do que a bola da vida. E começou o jogo.

Mais duas brejas foram pedidas, uma para cada um. E nós ali mordendo palito de dente calmamente.

Nossas bolas pareciam querer ajudar, e caiam sem pudores. As deles até que teimavam um pouco. Jogo duro, meio de campo embolado. Platéia afoita e jogadores temerosos. Mas com certa suposta sorte, estávamos quase ganhando, até que por alguns erros consecutivos perdemos a primeira partida.

Não era tão ruim a situação. Até pedimos mais uma gelada para aliviar calor das mãos, braços, pernas... enfim.

Segunda partida iniciada. Da mesma forma truncada. Jogo praticamente igual para ambos os lados. Bolas indo e vindo, atravessando o campo, sem cair. Depois de alguns minutos, por mera sorte nós ganhamos.

Assim, antes da última e derradeira partida, Pepe decidiu apimentar mais o jogo apostando dez reais mais a conta do bar. Oras, pensamos juntos e vimos que podíamos ganhar. Aceitamos a oferta.

Intervalo de trinta segundos e a última e terceira partida começou com a bola deles já matada. Opa. Ascenderam os piscas alertas. Aquela partida já estava diferente das anteriores. Porque as bolas deles caiam mais fáceis do que antes? Era um extermínio geral. Um pesadelo que virou realidade. Sálvio, desesperado e com sentimento de culpa, pois errava todas as bolas, dizia que pagava toda a conta. O que dizer? Caímos em uma teia chilena, com requinte de bolero. Mas, também não era tudo perdido. Comecei a matar as bolas e me sentia em plena guerrilha colombiana – se bem que era chileno meu oponente, mas naquele momento era tudo igual. Entrei no campo e desferi minha arma contra aqueles seres vermelhos, detonando todos ferozmente. Eis que sobrou um guerrilheiro para cada lado. Yankees versos Farc. O ser misterioso, abrindo um leve sorriso macabro, indicando que meu caminho era sucumbir e ir com meu rabo entre as pernas para meu colégio, desferiu sua tacada final e a matou. Aquilo foi uma punhalada dupla, sem trilha sonora, apenas o vento passando pelo vilarejo deserto da zona oeste de São Paulo.

Mas, eis que meu amigo e observador Sálvio saca a bola da vida. E nossos pulmões recebem um ar aliviado e renovado. Porém, nada era certo.

Com certo desprezo, o indivíduo bate com tanta força na bola que sua leve e singela bola branca cai sorrindo para nós. Aquilo era uma benção? Um anjo que estava ao lado e fez o serviço? Talvez. Era minha vez de jogar. Última bola, da vida, do jogo, das tantas brejas e coxinhas. Não sabia o que era pior, a bola na minha frente ou a platéia no meu cangote? Já estávamos atrasados para a aula, aquele jogo parecia um campo de concentração judeu. Sofrido e sem dó. No começo era novidade e sonho, depois virou pesadelo.

Bola na mira, eu no campo, copo vazio e pernas tremendo. Bati e eis que a bola foi em direção ao buraco do canto e misteriosamente foi parando na ponta do precipício. Era o fim. Bastava ele encostar que nossos bolsos seriam esvaziados. Lentamente parava para o derradeiro final do jogo. Mas como nessa vida nada é perfeito, nem a mesa do buteco com suas caídas, a bola com o vento do leste decidiu dar seu último passo e encerrar nossa agonia. Caiu! Ficamos pasmos. E advinha quem pagou a conta?

 

Esse texto faz parte do Livro: Contos Urbanos.
Autor: Henrique Braz B Rossi

 

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